Jovens Infelizes Ou Um Homem Que Grita Não É Um Urso Que Dança | Só um título grande


[dropcap]U[/dropcap]m Homem Que Grita Não É Um Urso Que Dança é um segundo-título bem longo. Ele precisava, na minha cabeça, fazer sentido. Então fui pesquisar e encontrei a citação de Aimé Césaire, “estudólogo” de negritudes francesas. Foi aí que consegui conectar com o primeiro-título: “Jovens Infelizes”.

O que Césaire está querendo dizer nessa sua frase é que o sofrimento humano não é um espetáculo, usando como exemplo para comparação um urso dançante, desses de circo. É claro que ele não usaria um macaco dançante, por exemplo, pois isso seria inconveniente. Afinal de contas, Aimé Césaire foi um “racistólogo” profissional.

Em primeiro momento, após assistir o filme do diretor e roteirista Thiago B. Mendonça, discordo do título jovens infelizes. Como podem ser infelizes jovens que não trabalham e só fazem sexo o tempo todo? Talvez seja esse um daqueles mistérios que no futuro explica ao adulto porque sua adolescência foi desperdiçada, quando ele “era feliz e não sabia”.

Esses jovens do filme se dizem revolucionários. De esquerda, claro. Estão indignados com tudo o que está acontecendo na vida deles, que se resume em um bar (com o sugestivo nome de “Cabaré Vermelho”) que terá que ser fechado, assim como lutam para tentar pagar o aluguel do teatro onde mostram sua arte. A prefeitura e a especulação imobiliária estão acabando com os lucros, quer dizer, com a harmoniosa comunidade onde as pessoas se reúnem para se expressar e serem felizes.

Mendonça está situado na esfera política e social do seu tempo. Ele filma momentos dos protestos de 2013 e 2014 que ocorreram na cidade de São Paulo e outras, sobre o aumento da passagem de ônibus e sobre o superfaturamento das obras para a Copa do Mundo, respectivamente. Aqueles não foram bons anos para os governantes, pois estava começando a cair a máscara do governo bonzinho e no lugar começaram a voar bombas de efeito moral. Desde então só tem piorado.

Sob as lentes de Mendonça acompanhamos essa ficção sob as cores mais que realistas do preto e branco, evocando não apenas o golpe de 64 (jovens brasileiros em preto e branco), mas também aqueles momentos belíssimos em que as ruas estão um caos, há PMs batendo em manifestantes e vândalos botando fogo onde for conveniente para que um fotógrafo de algum jornal fique famoso pelo senso estético no campo de batalha. Tudo pelo enquadramento perfeito.

Ao mesmo tempo, como citei, esses jovens fazem sexo como forma de arte e escapismo. E não há melhor maneira de flagrar seus lindos corpos nus do que usando os tons de cinza que embelezam o muquifo mais embostelado. Unindo seus corpos em um monte uniforme de pele, pelo e carne, a revolução está garantida.

Para tentar “chocar” o espectador, ou melhor dizendo, para tirar sua sensação de escândalo, vários momentos do filme são crus. A história é introduzida por uma mulher sensual com os dois braços e pernas arrancados. Há um suicídio coletivo de jovens como ato político. Há uma orgia em uma igreja. Um negro é linchado simbolicamente em praça pública (um momento bem bonitinho na Avenida Paulista). Não há limites para nos fazer tirar da zona de conforto.

Mas nada mais choca as pessoas, como alguém comenta no filme. É verdade. Estamos anestesiados com tanta exposição gerada pelas mídias sociais. Não há mais limites e os que se dizem revolucionários soam como crianças mimadas. Colocar um pôster do Che Guevara na parede envolve em haver um motivo. Sem isso, se torna um clichê em forma de capitalismo. Nunca se vendeu tão bem a ideia de que jovens podem ser rebeldes sem causa e, pior, se sentir bem por isso.

Eu fico curioso em como pessoas de diferentes visões políticas irão encarar os Jovens Infelizes. Imagino que a direita brasileira deve achar tudo aquilo uma representação repulsiva da realidade, um exemplo de como essa geração está perdida. Já a esquerda senil que vive nos jardins (bairro nobre de São Paulo) irá finalmente largar seus livros de masturbação “intelectoide” e encontrar seu verdadeiro espírito revolucionário em algum cinema da Augusta (rua para filmes anternativos em São Paulo) e sentir que os heróis da causa estão escondidos em algum beco do centro renovado, talvez em alguma ocupação mais limpinha.

E esses heróis serão esbeltos e atraentes. Irão transar coletivamente quando houver necessidade de uma arte revolucionária. Irão posar para as câmeras dos jornalistas quando as bombas de efeito moral fizerem a névoa que precisam para o apelo dramático.

Tudo isso cantando “Bella Ciao”, o hino informal contra o fascismo no mundo todo. Você sabia que essa linda música folclórica era cantada pelos trabalhadores sazonais nos campos de arroz da Itália? Quem diria que alguém já trabalhou e cantou essa música ao mesmo tempo.


“Jovens Infelizes Ou Um Homem Que Grita Não É Um Urso Que Dança” (Bra, 2016), escrito e dirigido por Thiago B. Mendonça, com Clarissa Moser, Ieltxu Martinez Ortueta, Rafaela Penteado, Stella Prata, Alex Rocha, Bebel Mendonça, Zé Antônio de Carmmo.


Trailer – Jovens Infelizes Ou Um Homem Que Grita Não É Um Urso Que Dança

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