Frozen 2 | Com grandes bilheterias vêm grandes continuações… só isso


[dropcap]V[/dropcap]ocê já sabe como funciona. Frozen, um novo filme de princesa, arrebata multidões por não ser um “filme de princesa”, mas sobre a relação essencial entre duas irmãs, misturada com a história de um reino nórdico que sugere lendas e valores sem apontar diretamente para nenhuma em específica, exceto sua inspiração inicial, o conto de fadas do século 19 do dinamarquês Hans Christian Andersen, A Princesa do Gelo.

Como diria a versão capitalista do Tio Ben, “com grandes bilheterias vêm grandes continuações”, e eis que surge Frozen 2, que chega com a ideia fixa de um começo e um fim, e no meio uma nova aventura, que demonstra tanto a beleza do ápice da arte digital dos estúdios Disney quanto sua incapacidade de criar algo novo partindo de suas próprias premissas.

Frozen 2 acaba, então, virando conteúdo para TV, mas é TV Premium, com uma direção de arte (encabeçada por cinco pessoas) e efeitos criados por artistas digitais (encabeçados por cinco times de futebol) tão sensacionais que nos faz colocar a beleza do primeiro em perspectiva. Para a direção de arte, note apenas os detalhes do chale da mãe de Elsa e Anna, assim como todo o figurino da família real harmoniza com uma paleta mais sóbria que remete ao frio e ao mesmo tempo um ambiente acalentador.

E para a arte digital, basta observar cada movimento do busto de Elsa conforme ela se move para cantar ou a forma de se movimentar em nada difere de uma mulher de carne e osso. Este é o estado da arte da animação, e continua havendo um enorme abismo entre a arte Disney e o segundo melhor estúdio.

Porém, toda essa beleza vai esvanecendo conforme ouvimos a primeira, a segunda e a terceira canções, e vamos percebendo que este não será o filme que conta com a imortal sequência de Elsa se tornando a poderosa Princesa do Gelo ao som do hit “Let It Go”, ou na versão menor brasileira, “Livre Estou”. Nem será um filme totalmente diferente, que subverte ou expande sua história original para criar algo novo, mas apenas mais um trabalho burocrático e comercial, visualmente belo, mas preso pelo rótulo de continuação, apenas emulando as mesmas sensações do anterior.

O que nos mantinha compenetrados na história do original de 2013, a sua força, residia na introdução poderosa da relação entre Elsa e Anna, que a move do começo ao fim, pois nos importamos com essas personagens assim que descobrimos que o poder de Elsa era visto como um problema em sua infância, e causava ainda mais problemas ao conviver com sua estabanada irmã. Ao tentar replicar os mesmos elementos de personalidade das duas sem inserir qualquer conflito minimamente complexo ou desafiador, a mesma equipe de roteiristas começa com um problema básico e intransponível na continuação: gerar o interesse no espectador através do perigo de algo que possa ser perdido, algo que deve ser arriscado. E nada neste longa chega perto de representar uma ameaça física real.

Para suprir a carência de sentido surgem as piadas engraçadíssimas de Olaf, o boneco de neve mágico criada por Elsa no primeiro filme. Na versão brasileira foi usada a dublagem do comediante, ou seja, um não-dublador, Fabio Porchat, que inseria um sotaque estranho em sua criação, como se bonecos de neve tivessem um sotaque diferente por terem gelo na boca e uma cenoura como nariz. Nessa segunda aventura a voz vem mais natural, com menos daquela estranheza que Porchat tentou inserir. Agora há uma dicção mais profissional, afiada, mas ao mesmo tempo engraçada, que evita que pensemos por muito tempo quem está por trás dessa voz e nos concentremos mais na presença de espírito e sabedoria inusitados de um personagem tão ingênuo e eficiente.

Porém, ao se aproveitar demais do alívio cômico, o segundo longa, que já não contava com um conflito forte o suficiente para nos interessarmos por seus heróis, enfraquece mais ainda. As duas irmãs já estão com sua relação bem resolvida, e a insistência no clichê de uma estar preocupada com a segurança da outra acaba virando uma muleta em toda cena onde se espera que haja algum tipo de obstáculo na aventura criada para inserir Elsa, Anna, Olaf e outra dupla de alívio cômico, Kristoff e Hans, mas que vai se desfazendo de seus personagens conforme a aventura avança por mera conveniência.

A presença de Kristoff na aventura, por exemplo, é a mais problemática, pois em muitos momentos além de não ter serventia gira apenas em torno do pedido de casamento a Anna que tanto deseja fazer, e que apesar de gerar cenas engraçadas com um comentário social sobre a incapacidade de homens e mulheres se entenderem em frases muito soltas, o tema constante da proposta não deixa de ser retrógrada no universo concebido de Frozen para ser algo mais libertador para as mulheres. A consequência nefasta desse tipo de participação de Kristoff é transformá-lo em um ser patético cuja única função é ter sido escalado para o segundo papel de alívio cômico, atrás de um boneco de neve falante, sem nenhum motivo para denegrir o personagem, exceto talvez pelo fato de ser homem em um filme de mulheres.

Mas não é só de história que animações Disney são feitas, e é possível sentir quando alguma música deles se torna inesquecível, como é o caso de “Let It Go”, e é uma lástima que na continuação de uma obra que era tão recheada de músicas fáceis e envolventes não haverá um momento sequer que será lembrado após o filme.

Preferindo o exagero do que a qualidade nos números musicais, para dar chances a todos os personagens de cantar, a história não se expande através do canto, mas se encolhe em coreografias burocráticas que dão a impressão de parar a ação toda hora. Mesmo criações mais irreverentes como a concebida para o pseudo-galã Kristoff (“Não Sei Onde Estou”, na versão brasileira), cantada em uma performance engraçadinha como se fosse um video-clipe de um astro pop de persona sofredora, vira apenas uma distração itinerante, uma curiosidade esquecível.

Além disso, a aposta de novo hit para a música de Elsa, “Vem Mostrar” na versão brasileira, soa como uma música feita para se tornar um hit, mas não tem força para existir como um novo hino para a Princesa do Gelo. E não há como evitar concluir que cada canção está formatada no filme para logo depois fazer parte de um musical na Broadway, e pela falta de coreografias marcantes já notamos que não será uma produção tão cara (spoiler: mas os ingressos, sim, continuarão caros).

A única força possível do filme, as lendas por trás do reino de Arendelle, são narradas desde o começo de uma forma que já entendemos que há algo de errado por trás de um conflito com o povo da floresta que a tornou amaldiçoada e presa em uma neblina, e se você captar o mínimo de metáforas, saberá que o que houve de errado no passado com certeza será culpa dos antepassados de Elsa e Anna, em uma versão barata e previsível da popular culpa histórica.

Mas o que soa patético nem é a alegoria política, feita às pressas de maneira preguiçosa, mas o design de produção dessa parte em específico, simplório demais para uma animação com orçamento largo, que nos apresenta, tanto de um lado quanto outro, cerca de uma dúzia de soldados lutando em uma batalha épica. Nesse momento notamos que não houve imaginação suficiente para enriquecer uma trama que começa básica, mal explorada e soando repetida e no automático. E quando percebemos que toda a história gira em torno de uma floresta mágica orquestrada pela força dos quatro elementos da natureza, a única forma de reagir a isso é suspirando “ah, de novo os quatro elementos.”

Elsa nunca foi uma heroína viável para aventuras físicas. Desde o início ela é poderosa demais para haver vilões à altura, exceto ela mesma, como visto no original. E mesmo que houvesse um mal à altura, ele nunca poderia sequer tocá-la ou ameaçá-la de um risco mortal. O ponto fraco de um filme de aventura que envolva riscos é um herói forte demais, tão forte que quando vemos Elsa vulnerável é mais fácil entender como uma atribulação passageira do que como uma real ameaça à sua vida. Para entender a diferença de intensidade nos riscos envolvidos podemos colocar a questão em perspectiva de gênero e imaginá-la como um Príncipe Guerreiro (do Gelo), e perceberá o quão risível são os desafios encontrados pelo herói neste filme. Em vez de estar à altura de ser chamado de aventura, Frozen 2 se torna um fim de semana atribulado no reino de Arendelle.


“Frozen II” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Jennifer Lee e Chris Buck, com Kristen Bell, Idina Menzel, Josh Gad, Jonathan Groff, Sterling K. Brown e Evan Rachel Wood.


Trailer do Filme – Frozen 2

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