Ela | Uma história de amor virtual


[dropcap]E[/dropcap]la conta a história de um introvertido e solitário escritor de cartas pessoais, Theodore Twombly. Infeliz devido a sua separação iminente de seu amor de infância, Theodore compra um recém lançado sistema operacional – ou OS – que, dotado de voz e de inteligência artificial, se adapta e evolui como um ser humano. Fascinado com as habilidades dele, ou melhor dela, já que Theodoro decide que prefere que o sistema tenha uma voz feminina, o escritor acaba buscando companhia na nova “pessoa” em sua vida. Com o tempo, Theodore vai se abrindo cada vez mais com Samantha – o nome do OS escolhido por ela própria – e, aos poucos, os dois vão ficando cada vez mais envolvidos. A relação então passa por todos os testes que um relacionamento normal passaria, além de alguns bastante diferentes.

Contando uma história que, se tratada da forma errada, poderia soar boba e, possivelmente, não propositadamente cômica, o diretor Spike Jonze evita todos os erros que poderia cometer ao abordar o assunto de forma sóbria e sensível. Sem apelar nem para a comédia, nem para o melodrama, o diretor nos puxa para dentro da história desde a primeira sequência.

Jonze então desenvolve seus personagens maravilhosamente bem ao longo de toda a projeção, note como, logo na cena inicial, já sabemos exatamente quem e como é Theodore (Joaquin Phoenix), graças ao seu modo de falar, a forma como se comunica, se movimenta e as cartas que escreve. Responsável por escrever mensagens pessoais para outras pessoas, seu trabalho funciona como uma forma de escape para sua alma romântica, aprisionada em uma depressão pós-separação.

Logo notamos também que, embora o filme se passe em um futuro próximo, ele, ao mesmo tempo, traz uma aura romantizada e nostálgica devido a paleta de cores fortes remetendo diretamente aos anos 70, além, é claro, do próprio figurino dos personagens lembrar aquele período.

Embora tocante e envolvente, o filme nunca “força” uma história de amor ou outras convenções típicas de romances americanos e, com isso, ganha muito em realismo – ainda que a história beire a ficção-científica –, tornando impossível que não nos identifiquemos inteiramente com a relação do casal e as dificuldades que passam.

Mas para que isso funcione, o longa conta com algumas das melhores atuações de 2013 por parte de Joaquin Phoenix e de Scarlett Johansson, no papel do sistema operacional. Mesmo sem aparecer na tela, a voz da atriz traz uma sinceridade que é fundamental para nos vender a ideia central do longa, de como seria nos apaixonar por alguém que não podemos ver ou tocar. Phoenix, por sua vez, entregue uma performance comedida, porém cheia de nuances, em uma atuação soberba que, por si só, já faz com que a obra seja merecedora de várias revisões. Para completar o elenco principal, o filme ainda tem Amy Adams no papel de uma amiga de longa data de Theodore. Seu personagem é vital para a trama, já que funciona como o principal contato de Theodore com o mundo exterior em sua fase mais depressiva e como amiga confidente quando precisa de alguém para conversar – muitas vezes se posicionando como a voz do espectador. Apesar de sua importância, o papel não dá muito espaço para Adams brilhar, mas isso não impede que ela deixe a sua marca com uma performance equilibrada e autêntica, algo ainda mais realçado pela pouquíssima maquiagem usada na atriz. (Repare como ela aparenta estar 10 anos mais velha do que em seus outros trabalhos de 2013.)

Ela Filme

Além de profundamente comovente, o filme ainda explora as ramificações da relação de Theodore e Samantha muito mais a fundo do que é de costume em um filme americano. De início, o longa faz um paralelo com a ideia de um relacionamento à distância, mostrando as dificuldades destas – bem reais – relações. Neste estágio, temos uma das mais belas cenas de sexo do cinema nos últimos anos, quando os dois, completamente apaixonados, finalmente transam. A cena transcorre inteiramente no escuro fazendo da imaginação do espectador parte do filme e é impossível não nos lembrarmos de um momento de paixão de nossas próprias vidas.

Em contraste, mais a frente, Samantha procura por uma belíssima mulher-substituta – uma pessoa que procura participar de uma relação homem-sistema operacional oferecendo seu corpo para ser usado pelo OS – e quando os dois vão para a cama, a sensação é completamente oposta, de total falta de química, demonstrando que um relacionamento é mais do que a junção de dois corpos.

O filme também não ignora as dúvidas que – certamente – também teríamos sobre um relacionamento assim ser algo “real” e, por fim, não deixa nem de investigar questões mais filosóficas como o fato de Samantha, real ou não, ser um ser imortal e, intelectualmente, muito superior a nós.

Diversos filmes já abordaram temáticas semelhantes – como O Homem Bicentenário (1999) e Simone (2002), entre outros – mas sempre, ou quase sempre, recorriam a soluções baratas para conflitos rasos, além de ficarem maravilhados com a simples premissa da história, nunca se permitindo ir mais a fundo. Aqui, no entanto, temos um filme que não teme explorar minuciosamente seus personagens, fazendo com que a premissa – do quão “humano” um ser artificial pode ser – fique completamente em segundo plano.

E este é o grande truque. Ao deixar isso em segundo plano e focar em algo real, o filme nos permite analisar o assunto, a princípio estranho, de um modo muito mais íntimo e eficaz, pois temos como parâmetro algo cotidiano com o qual nos identificamos imediatamente. Desta forma, “Ela” funciona de forma genial, simultaneamente, como uma história de amor e como um estudo científico-filosófico do que é uma mente ou um ser, além de, indiretamente, também alfinetar preconceitos recorrentes de nossa sociedade em relação a com quem podemos nos envolver. Uma obra belíssima que não deve ser vista apenas uma vez.


“Her” (EUA, 2013), dirigido e escrito por Spike Jonze, com Joaquim Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johansson, Kristen Wiig, Bill Hader e Rooney Mara


Trailer do filme – Ela

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1 Comentário. Deixe novo

  • Realmente tinha potencial para ser um grande filme, mas eu, que me encanto com histórias do tipo, achei a narrativa rasa e não me sensibilizei. Há um problema de enredo, que se torna mais grave por conta da duração, e de roteiro – é previsível e formulaico. Enfim, é um bom filme, mas que não faz jus ao hype que provocou.

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