Editorial de segunda #03

De Boas Intenções o MinC está Cheio

por Vinicius Carlos Vieira

No cinema, como nas outras artes que envolvem uma narrativa, o ponto de virada é um acontecimento que faz aquela linha se interromper por um momento para tomar um rumo novo. Desde que o cinema nacional voltou a produzir em grande escala no começo dos anos 90, ganhou também seu ponto de virada anual: quando decide quem é quem diante daquela estatua careca e dourada que Hollywood distribui todo começo de ano para os “melhores” da indústria cinematográfica mundial.

Na verdade, pode-se considerar que essa obsessão tenha começado quando “O Quatrilho” ganhou um lugar entre os cinco da noite de entrega, e tenha piorado ainda mais quando “Cidade de Deus” foi esnobado como filme estrangeiro e depois, no ano seguinte, dados as caras de novo com quatro indicações. Mas isso é assunto para um outro dia, talvez mais depois da indicação, ou mais próximo do anuncio dos cinco finalistas, o importante agora é tentar entender quem vai ou não. Um assunto que parece tomar proporções muito maiores do que deveria.

A razão ficou com o lugar do Capitão Nascimento

Não que indicar um filme não seja um assunto importante, o problema é o nível de estresse que isso vem tomando desde que “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” ficou com a cadeira de “Tropa de Elite”, três anos atrás. Mesmo que, para qualquer um que entenda um pouco de cinema e da sensibilidade com que ele meche, ter certeza que a indicação foi acertada, tanto se levarmos em conta as qualidades do filme, quanto suas possibilidades de ser indicado. O que incomodou a opinião publica (ou privada ou popular) foi talvez a recusa da comissão, escolhida pelo próprio Ministério da Cultura (MinC), em honrar o maior sucesso nacional desde “Cidade de Deus”. Ainda mais uma comissão “estelar” como era essa, cheia de críticos, pensadores e diretores famosos.

Criticá-los por chegarem a uma conclusão impopular só não é pior do que colocar em xeque seus esforços pelo cinema. Famosos ou anônimos, essa comissão está lá (e sempre esteve) com o único intuito de escolher um representante do país (por mais fútil que isso possa parecer para muitos) na maior festa do cinema mundial. Pois é diante dessa constatação que fica difícil entender onde o próprio Ministério procura chegar com uma atitude, quase irresponsável, como abrir uma votação online em seu próprio site para o público “escolher” o filme que deveria ser indicado.

Uma idéia que só não se torna totalmente descabida já que o a página na web enfatiza que tal pesquisa não procura decidir o escolhido, mas apenas fazer com que tais números sirvam de “auxilio” para a Comissão. Pior ainda, completa que os resultados serão colocados no site, como se buscasse uma idoneidade desnecessária, já que os dados não servirão, verdadeiramente, para nada.

O resultado dessa “iniciativa inédita”, como o próprio site coloca, qualquer que seja ele, será desastroso para um dos lados. Ou melhor, para um dos lados contanto que seja a tal Comissão esse lado. Em um país que bem menos que 10% da população freqüenta o cinema e um número bem mais baixo ainda faz disso algo recorrente, seria impossível cobrar desses mesmos uma opinião pertinente sobre um assunto tão específico. Talvez o melhore seja ir mais longe ainda e ver os resultados das premiações nos Estados Unidos (um país obviamente com números muito mais concretos que os nossos nesse assunto) que contam com votos populares e dar de cara com uma enxurrada de verdadeiras besteiras levando seus “baldes de pipoca dourados” para casa.

Nenhum público no mundo premia seus melhores filmes, quem faz isso são os profissionais da área, público escolhe o filme mais popular, e nenhuma Comissão que se preze precisa de um auxílio desses, para apontá-los s o filme mais popular do ano até aquele momento, coisa que, realmente, nem isso vai fazer, já que esses números mostrarão sim, o filme mais novo a ser lembrado, ou o que mais gastou com marketing, ou o hype por qualquer outra razão. A grande armadilha disso tudo é, independente do resultado, colocar a Comissão como a vilã da história toda.

O dilema do grandes filmes com suas porcentagens pequenas na pesquisa do MinC.

Sem colocar esse ou aquele filme na berlinda, a primeira coisa a fazer é olhar para o óbvio, o “III Festival de Cinema de Paulínia” deu a “5X Favela” seu premio máximo e a “Bróder” o da crítica, esse último ainda ganhou o Kikito no festival de Gramado. Continuando nesse mesmo circuito de festivais, “É Proibido Fumar” levou tanto o premio do júri quanto de crítica no de Brasília, o que fariam deles, se não pontos de partida para a Comissão, pelo menos um “auxílio” em sua escolha. No resultado parcial da pesquisa online do MinC, “5X Favela” tem 1,00% de votação, com setecentos e poucos votos, muito mais que o dobro de votos dos outros dois citados e muito menos que os 71%, o mesmo que quarenta e dois mil e muitos, votos, do “Nosso Lar”.

É essa discrepância que fará com que, qualquer que seja a escolha, ela se torne um massacre. “Nosso Lar” com toda sua popularidade se sustenta sobre defeitos imensos e pouco representaria o cinema nacional, na verdade, seus problemas estruturais e narrativos, desabonariam completamente a indústria de filmes brasileiros (não colocando em pauto seu lado popularesco, mas sim técnico). Sua escolha, a fim de agradar o grande público (coisa que eu não acho que vá acontecer) seria um tiro no pé, já que a crítica especializada e não especializada (leia-se personalidades, colunas, blogs e palpiteiros em geral com falta de uma pauta mais interessante), apontará suas armas para a Comissão, com muita razão.

Em uma outra situação o esquema pesquisa/Comissão pudesse até, coincidentemente, apontar para uma única posição, mesmo tal coisa sendo extremamente difícil de acontecer, mas diante do quadro atual, se mostra um péssimo momento para “inaugurar” uma idéia interativa como essa, até por que, perto da escolha, a grande mídia sempre se preocupa em pesquisar esses números, oficialmente, por meio de alguma pesquisa encomendada.

Sucesso nos cinemas e na votação, pode ficar de fora e provocar a ira popular.

Por outro lado, escolher qualquer que seja o filme, sem ser esse, já que o segundo lugar da pesquise tem apenas 10% dos votos, colocará o público contra a Comissão, como se, mais uma vez, a voz do povo não fosse ouvida pelo “mundo intelectual” que controla essas decisões. Conseqüentemente ainda tendo o mesmo efeito depreciativo em qualquer tentativa especializada que corrobore com essa decisão. Como um Multiplex onde várias salas que passam um mesmo filme, com horários diferentes, mas sempre a mesma experiência.

O que sobra agora é esperar esse ponto de virada no dia 23 desse mês, quando o filme escolhido vai ser anunciado e torcer (ainda que os menos otimistas saibam que o assunto ainda dará muito pano para a manga). A única solução aparente, e que contará com uma parcela inimaginável de sorte, é que o filme escolhido chegue entre os cinco na noite do Oscar, pior ainda, talvez o único jeito de não sair chamuscado pela opinião popular seja trazer a estatueta para casa, já que só assim, a coitada da Comissão do ano que vem não precisará sofrer com a verdadeira cilada que a desse ano acabou entrando.

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