Philomena

O inglês Stephen Frears pode até ter caminho livre dos Estados Unidos (seu trabalho em Ligações Perigosas de 1988 lhe garante isso), mas ninguém nega o quanto ele se mostra à vontade quando volta a filmar na “terra da rainha” (como na história da própria, Philomena Posterem A Rainha). Philomena é um exemplo desse tipo, uma história até simples, mas que ganha força diante da honestidade e sensibilidade com que Frears à conta.

Na verdade, características que se mostram imprescindíveis para que o filme funcione, principalmente enquanto essa história triste (e verdadeira) se desenrola. E ainda que em um primeiro momento Philomena não tenha lá todo o ritmo que poderia, essa sonolência inicial acaba dando lugar a uma segunda metade que sabe bem como não deixar ninguém dormir enquanto chega ao seu final.

E isso se dá também graças a uma série de pequenas surpresas que movem a trama. Não grandes reviravoltas, mas sim detalhes que embalam bem a viagem dessa senhora escosesa, a Philomena do título, e desse jornalista, Martin Sixmith, tentando dar a volta por cima. Ele (Steve Coogan, comediante inglês e que muita gente deve reconhecê-lo de sua “participação explosiva” em Trovão Tropical), um ex-assessor do governo que foi mandado embora por um e-mail infeliz e ela (vivida pela sempre genial Judi Dench) sofrendo por um segredo que guardou por cinquenta anos. Seus caminhos então se cruzam quando ele vê nela a oportunidade de uma “nova história” para um jornal, antes de se dedicar a um livro sobre história russa.

Essa “Nova História” é sobre um filho que a velha senhora teve ainda em sua adolescência, enquanto morava em um orfanato comandado por freiras. A criança acabou sendo adotada e ela nunca mais o viu. O ponto de partida então é a busca da improvável dupla por esse filho. “Improvável”, pois coloca em choque toda intelectualidade refinada dele com a simplicidade e sabedoria popularesca dela. E mais, pragmáticamente ateu, ele ainda é obrigado a conviver e entender toda culpa cristã que a move. Dois mundos que se chocam e criam um caminho improvavelmente unido.

Philomena Filme

E o roteiro escrito pelo próprio Coogan em parceria com Jeff Pope, e baseado no livro do Martin Sixmith real (que foi o resultado da busca deles), aposta justamente nisso, nessa deliciosa interação entre os dois. Das sutis discussões e da convivência deles enquanto acabam tendo que embarcar para os Estados Unidos ao descobrirem que, na verdade, o filho dela foi vendido pelas tais freiras para um casal americano. E falar mais que isso sobre o filme talvez estrague boa parte do que mais chama a atenção na história, já que (como eu já disse), o que não faltam são surpresas.

Entretanto, enquanto esses momentos inesperados movem a trama, o que mais conquista o público é mesmo a própria Philomena e o cuidado com que ambos os personagens são criados. Primeiro, no caso dela, Dench em mais um trabalho irretocável e apaixonante, que resulta em uma simpática velhinha que (muito provavelmente) todos no cinema iriam querer ter como avó. Um trabalho de composição que procura alguém real e normal, que soa frágil, mas é ao mesmo tempo incrivelmente forte e sensível . Um verdadeiro deleite para Frears que tem a possibilidade (e o prazer) de “esquecer” sua câmera ligada enquanto encara Dench em um punhado de momentos inesquecíveis e quase mudos (como quando resolve se confessar em uma igrejinha do meio do nada nos Estados Unidos).

O outro lado dessa moeda é mesmo a semelhança irônica dos dois e do como os caminhos de ambos se completam. Ele, começando o filme como uma vergonha do governo, ela movida pela vergonha imposta em sua vida pela culpa de seus atos. Ele, em busca de ferramentar para começar de novo, ela em busca de um modo de juntar as peças da vida desse filho e construir a “imagem” de uma vida. Ele, rancoroso, e ela dando uma lição de como perdoar e deixar no passado os pecados e deslizes.

E Philomena é um pouco isso mesmo: uma lição. E mesmo tendo o nome dela no título, é um modo dele voltar a enxergar que aquilo que vem pela frente é muito mais importante do que tudo deixado para trás. E Frears busca em Philomena o mesmo que o fez em “A Rainha” contar uma história sobre quem ficou e não sobre quem se foi (e talvez isso tenha sido um spoiler!).


“Philomena” (EUA/RU/Fra, 2013), escrito por Martin Sixmith (livro) Steve Coogan e Jeff Pope, dirigido por Stephen Frears, com Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Barbara Jefford e Mare Winningham.


Trailer do filme Philomena

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