La Jaula de Oro Filme

La Jaula de Oro

E realmente delicioso descobrir o quanto o cinema é, na maioria dos casos, pura e simples evolução. Por exemplo, esse espanhol Diego Quemada-Díez, que nem chegou a ser creditado como assistente de câmera de Um Domingo Qualquer, La Jaula de Oro Postermas esteve lá com Oliver Stone, depois fez parceria com o ótimo diretor de fotografia Paul Cameron em A Senha: Swordfish, 60 Segundos e Chamas da Vingança. Na sequencia ainda comandou uma câmera em 21 Gramas e O Jardineiro Fiel. Resumindo, durante mais de uma década, Quemada só esteve ao lado de feras, e agora em seu longa de estreia, La Jaula de Oro, mostra que aprendeu cada lição que poderia.

Melhor ainda, La Jaula de Oro não parece com absolutamente nada com que ele tenha trabalhado e resulta em uma experiência completamente nova e inesquecível, daquelas que permanecem com você por um bom tempo depois de seu fim. Principalmente por que durante todo tempo do filme, você, sentado no cinema, é muito mais que um espectador e sim um companheiro de viagem desses quatro jovens em busca de um sonho.

Um filme que (com spoilers daqui em diante) traça um caminho longo e doloroso entre dois momentos em que o protagonista, um jovem de 16 da Guatemala, Juan, está sozinho. No primeiro, logo no começo, correndo pela favela sob a mira de uma metralhadora de brinquedo e um monte de ruelas espremidas, e um segundo, encarando a neve que cai sobre sua face, frio, calculando se talvez todos os custos dele estar ali não tenham sido grandes demais. Um sonho, mas um sonho que lhe aprisiona e lhe obriga a sonhar sozinho.

E La Jaula de Oro é sobre esse caminho que Juan, Sara e um terceiro amigo decidem percorrer para chegar aos Estados Unidos. Um caminho que logo de cara deixa o outro para trás e faz jovem índio ganhar suas companhias. Junto deles, uma verdadeira peregrinação pelo meio do México sobre trens, olhares tristes, canções esperançosos (de alguém que já não parece ter esperança) e muitos perigos. Uma impressão de que não só tudo pode acontecer, como também na necessidade de viver com a possibilidade de que tudo de ruim irá cruzar seus caminhos.

La Jaula de Oro Filme

Não simplesmente bandidos ou “la migra” (ainda que aconteça), mas sim frustrações, solidão, perdas e muitas lições. E talvez seja esse o principal objetivo do roteiro de Quemada em parceria com Lucia Carreras e Gibrán Portela: fazer esse personagem crescer. Não há dúvidas que entre aqueles dois momentos, Juan não é a mesma pessoa, mas (em uma proeza de poucos filmes), todos no cinema terão a certeza exata de tudo que mudou, por mais triste e sofrido que isso seja. E não à toa Quemada permeia esses dois momentos com situações climáticas tão antagônicas, pois não existe mais o calor da esperança no coração dele, apenas o frio de ter perdido toda e qualquer vontade de seguir adiante com seus sonhos tendo se transformado em restos de carne e uma bandeira americana tremulando por trás de uma cerca.

E tudo isso, todo esse significado e emoção, emoldurado por um trabalho sensacional de Quemada na direção, valorizando cada cenário, ângulo e possibilidade para, não só montar esse caminho, mas muitas vezes colocar o espectador como passageiro do teto desse trem ou imigrante ilegal se esgueirando por uma galeria de esgoto na fronteira dos Estados Unidos. Mais que pinturas (como o clichê sempre manda chamar esse tipo de enquadramento plástico), sua câmera procura composições que podem durar segundos na tela, mas minutos e horas na cabeça de quem as viu.

Melhor ainda, equilibra essa noção estética com uma sensibilidade narrativa que extrapola a simples linguagem e permite que quase não se necessite de palavras para que essa história seja contada. Um resultado belíssimo dentro do silêncio que se propõe, e um desafio que ele tira de letra, já que compõe, a partir disso, um personagem que nem ao menos fala a língua dos outros (o índio Chunk) e nem é legendado, mas que acaba se tornando completamente transparente para todos. Mesmo quando brinca de entregar a ele uma narração, e mesmo assim ter a certeza de que todos no cinema sabem exatamente do que foi “dito”.

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Um trabalho que só reflete essa vontade do diretor de observar e acompanhar esses protagonistas ao invés de interagir com eles. Uma opção por permitir que dentro do cinema todos enxerguem os pensamentos deles através de seus olhos e se identifiquem a cada olhada da câmera para os trilhos que ficam para trás. Assim como sentem o incômodo soco no peito a cada despedida e reviravolta que lhes deixam mais perto do sonho, mas mais longe de chegarem lá impunes pelas dores desse caminho.

Mas sobre tudo isso La Jaula de Oro é um filme que teria todas as ferramentas para ser um melodrama sem força e comum sobre os perigos do caminho ilegal entre Guatemala e os Estados Unidos, uma opção panfletária, que, por sorte, não passa nem perto de sua realidade. Nela, o que se vê então é uma história sobre o menino que, mesmo com sua bota de cowboy e atitude de valentão, precisa crescer, perder, nunca se esquecer e encontrar forças para continuar um caminho que ainda parece bem longe de acabar.

Um caminho que, mesmo podendo parecer ter em mãos uma analogia frágil, pode ser comparado ao de Quemada, que passou por tudo aquilo em Hollywood para só agora dar um passo para trás e fazer uma pequena obra-prima que servirá de inspiração para muito mais gente do que, provavelmente, todos aqueles filmes em que trabalhou serviram.


“La Jaula de Oro” (Mex, 2013), escrito por Diego Quemada-Díez, Lucia Carreras e Gilbrán Portela, dirigido por Diego Quemada-Díez, com Brandon López, Rodolfo Dominguez, Karen Martínez e Carlos Chajon.


Essa crítica é parte da cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Trailer do filme La Jaula de Oro

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