Desenrola

por Vinicius Carlos Vieira em 16 de Janeiro de 2011

O cinema nacional tem medo de gêneros. Tem medo de se dizer espírita depois que “Chico Xavier” arrebatou as bilheterias, assim como sempre temeu falar de favelas depois de “Cidade de Deus”, não percebe que a todo tempo é ruminante em relação a grandes dramas sertanista, onde a pobreza é quase sempre um personagem, mas ainda assim tem medo de ser simplesmente taxado, talvez, erroneamente, por achar que isso diminua uma ou outra história… o que não o faz. “Desenrola” parece não ter vergonha de ser o que é, nem de explorar um gênero adolescente, assim como acaba não se dando tão mal exatamente por isso.

O filme vem exatamente na esteira das boas bilheterias de “Tudo Pode Dar Certo” e “Muita Calma Nessa Hora”, apostando nesse mesmo público adolescente cheio de hormônios. Aqui, a história é sobre uma garota de 16 anos e sua paixão por um cara mais velho, surfista e bonitão, só que para isso dar certo, tem uma certa virgindade no caminho.

E ainda que “Desenrola” tenha toda uma simpatia meio oitentista de ser (passando por John Hughes, “Menino do Rio” e mais um monte de outras referencias da época) acaba escorregando justamente por não perceber para onde apontar suas armas. Não percebendo para onde deve olhar com mais carinho e acabando por deixar que momentos marcantes do desenvolvimento de sua trama passem despercebidos. Como se começasse um filme com o a mão da protagonista deixando-a sozinha em casa por alguns dias, apostando na dinâmica entre ela e seu melhor amigo e, com o passar do tempo, acabar descobrindo que não era exatamente aquilo que queria contar em seu filme. Talvez um recado disléxico de uma geração que parece não se importar muito com o sentido narrativo (vide o sucesso de Malhação e toda sua ausência de caminho a ser seguido).

De uma hora para outra, sem nem dar peso a essa mudança, tudo se desenrola (trocadilhos estão ai para serem usados…) a partir da agenda da protagonista e da paixão de um outro personagem por ela. No final isso resulta em um romantismo “bonitinho” que até vale a pena, mas deixa a impressão de se ver isso desperdiçado, já que isso sendo, sem sombra de dúvida, o melhor do filme, ainda que com tão pouco espaço.

Por outro, lado, mesmo sem esse peso todo, o roteiro, pelo menos faz um ótimo trabalho na hora de costurar tudo isso, mais um par de discussões pertinentes para qualquer filme adolescente (como homossexualidade, amizade, gravidez, sexo seguro e fidelidade) e uma história coerente. Ainda que no começo tudo pareça episódico demais, acaba ganhando uma linha narrativa que segue bem seu caminho e, pelo menos, não vai fazer ninguém reclamar daquela falta de sentido.

Na ponta de tudo isso, a direção de Rosana Svertman faz pouco, não aposta em um visual muito “moderninho” e só olha para seus personagens, em um momento ou outro, como quando um dos personagens lê a agenda da protagonista, até brinca com uma outra animação, mas não faz isso no resto do tempo. Talvez por só apostar em sua trama ou simplesmente por não perceber o espaço que teria para algumas peripécias visuais maiores, dado seu público alvo.

O que talvez possa surpreender mais em “Desenrola” é seu elenco, marcante e natural, que segura bem a trama, mesmo se mostrando totalmente cheio de caras novas e jovens. Ainda que, por incrível que pareça, o único nome do elenco principal com um pouco mais de experiência (na verdade muita), Kayky Brito, acabe sendo a ponta mais fraca disso tudo, já que não consegue convencer na pele do surfista bonitão sem se tornar exagerado e cheio demais de marra (vulgo marrento, de modo quase caricatural).

“Desenrola” não vai ser lembrado muito tempo depois de seu fim, mas pelo menos vai ser bem aceito por quem se aventurar nessa comédia romântica adolescente com um “Q” de John Hughes (a musica, o figurino e mais alguns detalhes divertidos), mas que passa bem longe dessa geração de trinta anos atrás, ainda que assim mesmo acabe sendo até um passatempo sincero.

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idem (Bra, 2011), escrito Juliana Lins e Rosana Svartman, dirigido por Rosana Svartman, com Olivia Torres, Lucas Salles, Victor Thiré, Juliana Paica, Daniel Passi, Thais Botelho, Kayky Brito e Claudia Ohana

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