Cães Errantes

Em um primeiro momento de Cães Errantes, uma mulher penteia seu capelo de modo melancólico, ao seu lado duas criança dormindo, fora do enquadramento o ronco de seu marido. Demorado, longo e triste, um primeiro plano que já de cara Cães Errantes Posterdeve chatear muito gente na sala de cinema, mas que, na contramão desses, abre caminho para uma experiência tão forte que chega a ser dolorida.

E não há dúvidas que o objetivo do diretor malaio Ming-Liang Tsai é exatamente esse: incomodar seu espectador. Talvez até ainda mais que isso, desafiando a forma, a estrutura que o cinema impõe, extrapolando a possibilidade de fazer sentido e não permitindo que ninguém saia do cinema impune (ainda que o faça isso antes do final da sessão, coisa que deve acontecer em muitos lugares).

Isso, enquanto conta (ou só mostra) a vida desse pai e seus dois filhos que (muito provavelmente) foram abandonados pela mãe e agora vivem as margens de uma sociedade. Imperceptíveis como cães errantes (talvez!). O pai vivendo de alguns trocados segurando uma placa de um empreendimento imobiliário, os três dormindo em um prédio abandonado e tomando banho em algum banheiro público qualquer. E (pode ser) que isso acabe tendo um final quando cruzam o caminho de uma funcionária de um supermercado que termina por se identificar com os filhos, e até abre as porta de sua casa para o pai deles.

Mas não se preocupe, quem entrar no cinema vai poder entender o que quiser, daí o monte de dúvidas no parágrafo anterior. E melhor, vai ter tempo de sobra para pensar no assunto, já que o principal recurso de “Cães Errantes é provocar sua plateia com planos lentos, fixos e desafiantes, que vão muito mais longe do que qualquer um espera. Na verdade, uma oportunidade de quem estiver no cinema pensar sobre o que está vendo, e não só absorver uma cena e sair pela tangente narrativa de algum roteiro preguiçoso. Cães Errantes então, obriga qualquer um a pensar.

Cães Errantes Filme

Um filme que faz todos no cinema se sentirem tão incomodados com o pai, embaixo de uma tempestade protegido apenas por uma capa de plástico enquanto segura sua placa, quanto realizados e descansados enquanto o mesmo cochila na enorme cama desse mesmo empreendimento que ele anuncia. E se o penúltimo plano do filme dura mais que dez minutos enquanto se observa dois dos personagens olhando uma pintura em uma parede, é por que, na verdade, quer dar tempo suficiente para seu espectador analisar cada mudança sutil de cada um dos dois. Um diálogo em silêncio que vale sim muito mais que mil palavras.

Cães Errantes é então cansativo e provocador. Para muita gente irá sim resultar em um bocejo por plano, assim como colocará em dúvida sua sanidade enquanto observa esse casal por 15 minutos olhando para uma parede (que, talvez, seja uma tela de cinema… ou até mesmo estejam observando você no cinema, que esbarra nesses cães errantes a todo o momento e não percebe), mas muito mais que tudo isso, permite ser entendido. Não simplesmente do modo como essas linhas propõe, mas do exato modo que você, que sobreviver até o final nessa experiência sensorial, quiser.

Hermético, lento e com o objetivo de ser desvendado por cada um de seu modo. Um esforço para ser muito mais que um filme, mas sim vários: um para cada espectador.


“Jiao You” (Twn/Fra, 2013), escrito por Ming-liang Tsai, Peng Fei Song e Chen Yu Tung, dirigido por Ming-liang Tsai, com Shiang-Chyi Chen, Kang-sheng Lee, Yi Cheng Lee, YI Chien Lee e EI Ching Lu


Essa crítica é parte da cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Trailer do filme Cães Errantes

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