Cinema Direito | James Gunn e o Direito ao Esquecimento


[dropcap]N[/dropcap]os últimos quinze dias, a demissão do diretor/roteirista James Gunn da franquia Guardiões da Galáxia pela Disney, dona dos Marvel Studios, em meio ao desenvolvimento da terceira parte da série, gerou muitas dúvidas e, claro, julgamentos.

A força criativa do americano que, despretensiosamente, utilizou os personagens de segunda linha da Marvel para correr em paralelo com os demais filmes do MCU, “deu o azar” de cair no gosto do público e colocar os antes irrelevantes Guardiões em grande destaque, como vimos no Vingadores – Guerra Infinita e torná-los pedra fundamental do assim chamado lado cósmico do MCU.

O principal motivo, conforme centenas de críticas e artigos escritos sobre os dois exemplares da franquia, foi o humor ácido e pouca cerimônia das tramas em satirizar e autodepreciar alguns dos clichês de filmes de super-heróis. Os dois filmes faturaram em torno de 1,6 bilhão de dólares nas bilheterias e repercutiram na existência dos dois Homem-Formiga e do terceiro Thor: Ragnarok, além de possibilitar a realização dos dois Deadpool e dar um respiro de leveza ao citado Guerra Infinita.

Entenda a Demissão

Gunn, de longa data, é um agitador digital e crítico das posturas mais conservadoras que resultaram na eleição de Donald Trump. Recentemente, no começo de julho, o diretor teceu considerações duras sobre o uso do presidente do Twitter, as quais provocaram dois ativistas digitais de direita, Jack Posobiec e Mike Cernovich, a devassarem as redes sociais do diretor.

A dupla “trouxe de volta” diversos tweets de Gunn publicados entre 2008 e 2011 que traziam estranhas afirmações defendendo estupro e pedofilia e “piadas” sobre AIDS, racismo e outras situações do mesmo tipo (agora deletadas), as quais repercutiram muito, mas muito mal.

A Disney, quase que imediatamente, demitiu Gunn, alegando que “o conteúdo dessas publicações não é condizente com os valores que a empresa considera relevantes e importantes e não permitem que continuemos nosso relacionamento profissional”.

E o fato é que, mesmo com uma petição online pedindo a recontratação do diretor, com mais de 345.000 assinaturas e uma carta aberta nesse sentido de boa parte do elenco, incluindo Chris Pratt e Zoe Saldana, a Disney não voltou atrás e nem pretende.

Contexto

Desde o final do ano passado e passando pelo Oscar e outras premiações no começo de 2018, os movimentos #MeToo e Time’sUp, relacionados principalmente a combater a discriminação feminina e o assédio sexual na indústria do entretenimento tomaram a frente das discussões, com os casos mais famosos sendo os da implosão das carreiras de Harvey Weinstein e Kevin Spacey por denúncias e processos de assédio sexual, estupro e outros crimes.

Os grandes estúdios e empresas de mídia abraçaram essa causa e adotaram uma política de tolerância zero para esses tipos de atitudes de seus realizadores e empregados em geral, como por exemplo a demissão da atriz Roseanne Barr e o cancelamento de sua série de TV por declarações racistas, bem como a demissão de uma executiva da Netflix pelo mesmo motivo.

Ainda temos que considerar os desdobramentos no combate de Fake News e colocando na berlinda gigantes da internet também, como o Facebook e o Google.

Sendo assim, dificilmente a Disney recontratará James Gunn. Ou outras empresas voltarão a tolerar condutas como a de Spacey ou Weinstein (James Franco e outros atores, atrizes e realizadores ainda estão na berlinda e sumiram).

Pessoas muito ricas e poderosas, como Oprah Winfrey, não vão deixar definhar esse tipo de coisa e podemos afirmar que esses questionamentos e patrulhamento vieram para ficar, em menor ou maior grau, mas não mais serão deixados de lado. No passado, isso sempre existiu e conforme iam deixando de repercutir, assediadores e criminosos se mantinham trabalhando. Acredito que isso acabou.

A principal causa para essa diferença de tratamento é o quanto a internet se disseminou e como é impossível esconder seu passado online; nada mais some e tudo fica publicado para todo o sempre, Amém.

O Direito ao Esquecimento

Como nossa coluna trata das relações entre Direito e cinema, cumpre trazer a vocês, leitores, um tópico que vem sendo debatido e estudado há pelo menos trinta anos e que ganhou relevância nos últimos tempos, que é o chamado direito ao esquecimento.

Colocado junto dos direitos de personalidade como honra e privacidade, o direito ao esquecimento vinha sendo mais discutido judicialmente quando se contrapunham, principalmente, o interesse público e liberdade de imprensa de um lado e o direito à privacidade de outro, normalmente em casos concretos de pessoas que tinham sido acusadas de cometerem crime e absolvidas ou ainda que já cumpriram pena e as informações encontradas na internet sobre o assunto.

O direito ao esquecimento consiste na discussão se mecanismos de busca ou sites tinham o direito de manter no ar ou indexar informações que expusessem os acusados ou condenados, mesmo absolvidos ou, no caso dos já condenados, até aqueles que já tivessem cumprido suas sentenças.

Além de, é claro, o direito ao esquecimento das vítimas ou de seus familiares sobre os crimes em questão, obviamente por causa da constante exposição de fatos que causaram e causam tristeza e dor aos sobreviventes ou à família dos que morreram.

Essas sempre foram as discussões que mais repercutiram nos tribunais do Brasil e no mundo, as quais mencionei para que nossos leitores tivessem uma noção melhor sobre o que estamos discutindo nesta coluna.

Porém, o direito ao esquecimento que nos interessa mais agora está na próxima seção.

A Arte Como Especto Mais Relevante do Direito Ao Esquecimento

No tocante às artes em geral e ao cinema em específico, cabe demonstrar alguns acontecimentos recentes e que são pertinentes ao direito ao esquecimento.

O mais rumoroso caso judicial brasileiro que toca nesse aspecto é uma recente decisão no processo movido pela apresentadora Xuxa contra o Google, mais precisamente a indexação de informações relativas a ela relacionadas à suposta pedofilia e o filme Amor, Estranho Amor, do qual ela participou em 1982 e envolvia sedução e atos sexuais com um menor de 12 anos.

A justiça decidiu que o Google não era obrigado a retirar do ar os resultados de pesquisa que juntassem pedofilia, a apresentadora e esse filme. O entendimento desse caso é interessante, porque um dos fundamentos da decisão foi que não se pode, sob o argumento de suposto ato ilícito ou ofensivo à honra, obrigar o meio de acesso (mecanismo de busca) a retirar o direito à informação.

Xuxa Amor Estranho Amor

A decisão ainda cita que, caso se possa identificar o autor de acusação de crime de pedofilia ou assemelhados, que o ofendido busque a reparação de forma individual e não pode ou deve querer reprimir toda uma coletividade. Nesse mesmo sentido, podemos citar ainda o caso da Daniela Cicarelli, que teve gravadas e disponibilizadas na internet imagens íntimas sem autorização, só que realizadas em local público e de livre acesso a qualquer pessoa.

Outras situações que ocorreram recentemente envolveram supostos “influenciadores digitais” e postagens atuais e antigas com comentários e opiniões que representassem apologia ou semelhantes a racismo, misoginia e demais colocações dessa estirpe. É importante citar que poucos casos assim foram para o Judiciário e ficaram mais no “tribunal da opinião pública”.

Ainda devo destacar que no caso de filmes supostamente ofensivos ou que tragam alegadamente apologia de comportamentos ilícitos, a censura é proibida em todo o mundo e não se pode retirar o direito de escolha do público. Cada um deve assumir a responsabilidade de assistir ou não ao conteúdo.

Conclusão

De todo o exposto, concluo como segue.

Se, como alega, James Gunn “só queria provocar” e não mais pensa daquela maneira, teria que ter retirado do ar o que não mais é alinhado com sua visão sobre os assuntos. Era de sua responsabilidade e por não ter retirado ou apagado essas publicações, entendo que, necessariamente, ainda eram relevantes e o representavam.

Sua demissão por isso é correta se seu empregador não concorda com essas opiniões, não devendo ser revertida.

Fica o conselho, jurídico e pessoal, de retirar do ar o que não mais está de acordo com sua visão de mundo. É seu direito e sua responsabilidade; não retirando, que arque com as consequências.

Acredito, sinceramente, que as pessoas podem mudar de linha de pensamento e de opinião, é direito de cada um. O que discordo, veementemente, é que não tenham o cuidado de verificar e checar o que está publicado em redes sociais e internet em geral de sua autoria e quando confrontados e questionados se esconderem em mimimi de politicamente correto e que tais.

P.S: esse posicionamento é pessoal do autor e não representa necessariamente a opinião e posicionamento sobre o assunto do site CinemAqui e seus editores.

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