Aniquilação Filme

Aniquilação | Deixe suas certezas de lado antes de mergulhar nessa viagem


O principal acerto de Aniquilação é se permitir ser aquilo que pretende, independente de pressão, história original, passar a mão na cabeça do espectador ou, simplesmente, ser compreendido. Ele é só aquilo que quer, uma segurança que o fará ser lembrado por muito tempo.

E seu jeito indigesto fará ainda com que muita gente não aguente essa experiência até o final e prefira ignorar o prazer que é acabar o filme enquanto algo dentro de você pede desesperadoramente para você ir mais fundo. Aniquilação não te deixará ir embora ao final dos créditos, te acompanhará enquanto você tenta entender cada detalhe daquilo que viu (ou experimentou).

Não “sentiu”, esqueça sentimento, e talvez esse seja o maior tropeço do filme de Alex Garland. Existe uma frieza ali que não permite que o espectador se aproxime, nem de seus personagens, nem da trama. E sem comparar, mas já comparando, isso talvez seja o grande detalhe que liga o filme ao fantástico livro de Jeff VanderMeer. Na obra original, isso vem como um recurso bem técnico (já que é em forma de diário), diferente daqui, que surja talvez por não conseguir criar um sentimento que abrace o ceticismo com que Aniquilação enxerga tudo ao seu redor.

Portanto, esqueça o livro, o que é uma pena, Garland está interessado em parte da premissa, mas o que quer mesmo é discutir o mesmo assunto, mas de um modo existencial, surreal, violento e misterioso.

No filme, Natalie Portman é Lena uma professora de biologia que precisa lidar com o desaparecimento do marido soldado, Kane (Oscar Isaac), depois de uma missão misteriosa. E isso não acaba quando ele surge em sua casa, mas aparentemente mudado, meio desligado, e logo passa mal, o problema é que ambos são sequestrados por um tal de Comando Sul.

Na verdade, o Comando Sul está tentando investigar uma misteriosa ocupação em uma região onde algo está acontecendo. Sim, tudo meio sem explicações, já que todas equipes que são mandadas para dentro desse “Brilho”, nunca voltam, sendo Kane o primeiro soldado a fazer isso. Sobra então para Lena embarcar em uma nova missão de cientistas que irá “mergulhar” no Brilho.

E se até aqui você teve todas respostas, o que vem na sequência são muitas perguntas. Garland cria esse universo onde uma espécie de esporo alienígena toma o lugar como um câncer que parece liberar a vida selvagem à sua maior potência. E não estamos falando só de fauna, mas sim de flora e também da esquisita junção entre as duas.

O “alienígena” não é um spoiler, já que o filme abre com um farol sendo atingido por um meteoro, a diversão aqui é entender como isso aos poucos vai tentando refletir tudo aquilo que está dentro e fora da área do Brilho. Ao mesmo tempo em que chacoalha a sopa genética de tudo.

Aniquilação Crítica

De modo eficiente, Garland acompanha essa equipe indo cada vez mais longe, não só nessa floresta, mas em seus medos, convicções e terrores. Entender o que está acontecendo é somente a ponta do iceberg de alguns outros mistérios. Tudo vai se empilhando enquanto essas personagens tombam diante do inevitável. Ainda que seja isso que todas procuram.

Em certo momento, uma das personagens fala sobre a natureza autodestrutiva do ser humano e talvez isso dite o principal esforço de Garland em seu Aniquilação. Como se tentasse contar essa história sobre o motivo dessas cinco mulheres cruzarem o limite de suas razões em busca de uma missão que promete, no mínimo, não abandoná-las nunca mais. Não uma “missão suicida”, mas uma missão sem esperança.

Lena busca as respostas para entender o que aconteceu com seu marido, mas talvez esteja ela mesma tentando provar o quanto ela está preparada para se sacrificar diante de uma vida que ela talvez não esteja mais interessada. E cada componente da equipe busca algo. Na verdade, encontra.

Por outro lado, há ainda uma interessante leitura que usa toda trama como uma inventiva alegoria para discutir a depressão, já que todas procurar um modo de se encaixarem melhor em um mundo, mas que, no final das contas, precisam mesmo é brigar consigo mesmas (isso foi um spoiler).

Mas ambas leituras parecem vir de modo simples e violento, como na morte de uma delas e em um par de ataques de alguns animais transformados pelo Brilho, mas, na verdade, surgem de modo sutil e sublime. Garland parece tratar suas personagens como uma só, como se cada uma fosse a faceta sacrificável de algo maior. Como se todos que cruzassem aquele limiar se tornassem um experimento em busca da perfeição desse algo que está no farol.

Aniquilação Crítica

Talvez algo passe despercebido para a maioria dos espectadores, mas uma tatuagem de um ouroboros parece surgir nos antebraços de diversos personagens, isso mesmo, “surgir”, já que nenhum deles parece tê-la antes de entrar naquele lugar. Nesse caso, a cobra da tatuagem, ao invés de formar um círculo, forma um símbolo do infinito enquanto abocanha a própria cauda. O símbolo que talvez venha do grego antigo, significa não só a eternidade, como a autodestruição e a renovação. Como se a cobra precisasse se devorar para poder renascer e evoluir. Uma ação repetida eternamente, já que nunca conseguirá alcançar a própria cabeça.

A tatuagem, muito provavelmente seja então uma das chaves, não para você desvendar Aniquilação, mas sim para você entender onde ele quer chegar. Uma tatuagem que talvez estivesse no braço de alguém em alguma equipe e que agora “passeia” enquanto une a todos nessa evolução.

A busca do Brilho é pela evolução, pelo segundo passo. Por entender o que está acontecendo, substituir o antigo e viver através do novo. Seja isso nascendo como um balé onde quem chega tenta imitar quem já estava por aqui, ou simplesmente em uma explosão de luz que elimina o velho. E não importa quem fica ou vai, porque quem fica está agora não só com a tatuagem, mas com um pouco do Brilho. Mudado. Novo.

E lógico que toda essa firmeza conceitual poderia se perder nas mãos de uma cineasta que não tivesse a sensibilidade estética de Garland. Escritor de filmes do diretor Danny Boyle, como A Praia, Extermínio e Sunshine, recentemente ainda escreveu o incrível Não Me Abandone Jamais e Dredd (que na verdade, como recentemente “vazou”, ele também dirigiu). Isso tudo para que, alguns anos atrás, ele criasse o pequeno clássico da ficção científica Ex Machina.

Aniquilação é um pouco disso tudo, seu visual é preciso e ao mesmo tempo poético, para os jogadores de vídeo game, tem até um pouco do sucesso Last of Us, mas, com certeza, está preocupado em criar esses momentos de tirar o fôlego onde uma imagem vale mais do que qualquer palavra. Tudo de um jeito que faz com que você não consiga tirar o olho daquilo. Seja daquelas plantas em forma de ser humano, do urso transformado em algo monstruoso ou, simplesmente, da beleza dos alces tomados por essas flores ou árvores de vidro que marcam o caminho até o farol.

E assim como em Ex Machina toda essa beleza terminará em tragédia, fogo e fúria, ainda que, em um abraço final, o que Aniquilação mais quer é ser aceito. Não simplesmente compreendido, mas sim respeitado, mesmo diante de sua transformação. Reconhecido como a evolução daquilo que ficou para trás em chamas. Principalmente, pois nada mais será igual depois que você entender tudo.


“Annihilation” (UK/EUA, 2018), escrito e dirigido por Alex Garland, à partir da obra de Jeff VanderMeer, com Natalie Portman, Benedict Wong, Oscar Isaac, Jennifer Jason Leigh, Gina Rodriguez, Tuva Novotny e Tessa Thompson


Trailer – Aniquilação

Continue navegando no CinemAqui:

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu