A Valsa de Waldheim | Observa a engrenagens o poder


[dropcap]A[/dropcap] Alemanha reconhece a culpa pelo movimento anti-semita da Segunda Guerra e faz de tudo para reparar este dano histórico. Eles chegam ao cúmulo de censurar, em plena democracia, conteúdo considerado nazista, como a biografia Minha Luta, de Adolf Hitler. Já a Áustria, como visto aqui, em A Valsa de Waldheim, apesar de participar ativamente de práticas nazistas após anexada pelos seu vizinhos, sempre negou qualquer tipo de compensação pelos crimes de guerra relacionados aos movimentos anti-semita.

Isso acabou gerando o efeito que os oficiais austríacos da época não responderam como criminosos e não foram julgados. Pouco mudou no pensamento austríaco até ser descoberto que o candidato mais promissor das eleições de 1986 para presidente da Áustria, o ex-secretário das Nações Unidas Kurt Waldheim, poderia ter relação com operações militares nazistas na época da guerra, incluindo o envio de dois terços da população judia da região onde residiu para os campos de concentração de Auschwitz.

Porém, a questão do filme não é a alegação que Waldheim omitiu fatos sobre o seu passado ou se hoje (década de 80) possuiria ligações com movimentos neo-nazistas. Nada disso importa para a documentarista Ruth Beckermann, que parece tomar como valor absoluto que o passado de políticos devem condená-los para sempre (mesmo que seja o passado longínquo), muito embora essa regra valha apenas para possíveis ex-nazistas e não outros tipos de criminosos de regimes totalitários.

O filme de Beckermann se baseia em vários recortes da época, como declarações de jornalistas, historiadores, representantes de movimentos judaicos e políticos, incluindo o próprio Waldheim. Se trata de um trabalho clássico de documentário com uma ordem cronológica que vai avançando cada vez mais próximo das eleições, embora decida usar o dia e o mês, o que complica saber a quantos dias estamos. A edição do processo como um todo é um primor de eficiência, pois cada nova cena acrescenta mais dados ao dito processo que tenta a todo custo provar que Waldheim fez parte do passado inglório da guerra.

O grande problema que existe para os detratores do político e diplomata é que não existem provas concretas, além de que, a despeito do que os anti-Waldheim achem, ele obviamente tinha o apoio da maioria já em uma Áustria democrática. E se a falta de provas não permite acusá-lo de nada, resta apenas tentar denegrir sua imagem antes que as eleições aconteçam. Para um brasileiro que estiver assistindo a este filme a ironia se torna uma obviedade ululante se ele comparar com todos os acontecimentos da política brasileira antes das eleições de 2018, incluindo o processo de um ex-presidente acusado de corrupção. O filme, portanto, pode se tornar um exercício de análise de outras realidades, visto que a questão de culpar alguém de alto escalão, que não executa pessoalmente os atos, mas os orquestra, não se trata de tarefa fácil.

Além disso, judeus e as Nações Unidas se mobilizam para encontrar qualquer evidência contra Waldheim para evitar que eles se associem com alguém que fez parte de algo que é considerado por muitos como a parte mais horrorosa do século 20, mas essa posição é altamente discutível se lembrarmos que o este foi o mais tenebroso período de nossa história recente, com regimes totalitários cometendo milhões de assassinatos em pouquíssimos anos e décadas, sendo o único status diferenciado do Holocausto é ter atacado um grupo extremamente coeso e intelectualmente/financeiramente munido de mecanismos para contra-atacar. Não deixa de ser fascinante observar as engrenagens do poder girando de ambos os lados.

Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


“The Waldheim Waltz” (Aus, 2018), escrito e dirigido por Ruth Beckermann, com Kurt Waldheim


Trailer – A Valsa de Waldheim

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