A Troca Filme

A Troca

Sozinho, em um lugar onde as sombras parecem sempre dançar pelas faces das pessoas, com um jeitão todo “noir” de ser, está Clint Eastwood, não abandonado, mas sim inalcançado. De lá de cima, o cavaleiro sem nome de Sergio Leone, vê os pobres mortais tentando contar histórias, como seus nomes estampando os cartazes nos cinemas, mas uma vez ou outra, eles próprios derrapando em suas poças de suor, mas ele não, Eastwood, provavelmente não sua, pois suor e para os fracos. Que se esforçam. Que Erram. E A Troca é prova viva disso.

No auge de suas oito décadas de vida, Eastwood, se tornou exatamente isso, uma força inexplicável da natureza, um diretor de cinema que parece não saber o significado da palavra erro, que não precisa de anos de ausência a procura de seu próximo projeto, ele simplesmente o toca, e como uma Midas moderno, faz aquilo virar ouro. Só na última década lançou nove filmes, com meras três indicações aos prêmios da academia na categoria de melhor filme, lendas pré-estabelecidas como Martin Scorsese e Brian de Palma não fizeram nem a metade, quatro filmes, enquanto Francis Ford Copolla, em seu período sabático na Argentina fez miseramente um (Spielberg não conta, seus sete filmes incluem besteiras como Guerra dos Mundos e o novo Indiana Jones, resultados bem longe de poderem ser considerados feitos por uma lenda).

Diante disso então, porque quando se citam os “maiores dos maiores” Eastwood parece perambular como um coadjuvante nesse clube fechado? Simples, porque Eastwood tem o que dizer em seus filmes, nem que isso custe-lhe os altos números de bilheterias, como em A Troca, seu penúltimo filme (foi lançado lá fora em meados de 2008 e “Gran Torino”, seu último, já estreou pelos Estados Unidos e chega por aqui logo mais).

De seu início à seu fim, A Troca dá aquele impressão incômoda, que te afunda na poltrona do cinema, como se Eastwood não fizesse o mínimo esforço para suavizar essa brutal história passada na Los Angeles do fim dos anos vinte. Nela, Angelina Jolie é Christine Collins, mãe solteira que certo dia, ao chegar em casa, descobre o desaparecimento de seu único filho, diante de tal tragédia, só sobra à ela contar com uma polícia corrupta, mas que acaba pressionada por um reverendo (John Malcovich) que parece não fazer menção de desistir do caso de Christine, até que os homens da lei tomem as devidas providência. Semanas depois, quando seu drama parece ter fim, com seu filho sendo achado e trazido de volta, tudo entra em uma espiral de insanidade quando lhe entregam uma criança que não é a dela, e mais, a tentam desacreditar disso, alegando até sua loucura.

O diretor esmiúça a história dessa mãe em todos sentidos e possibilidades, do momento em que descobre o desaparecimento de seu filho até o dos culpados sendo responsabilizados, como se fizesse questão de não deixar uma ponta solta, jogando limpo com o espectador, mostrando toda trama como ela deve ser, sem maquiagem, crua e exposta. A cada passo que a trama dá, fica mais difícil se esquivar do que vem pela frente, e mesmo, no fim das contas, chegando (sem opção já que é uma história real) a um final cheio de esperança, deixa aquela impressão de um embrulho no estômago incômodo, que ainda persiste por um tempo depois que você descobre o destino das crianças desaparecidas, ou de até onde a polícia parece disposta a ir simplesmente para “limpar seu nome”.

Eastwood, mesmo com tudo isso nas mãos, e toda essa possibilidade de se jogar para o lado mais fraco da história (o da mãe, lógico), consegue, de um jeito que só ele faz, se colocar por de trás de tudo, como se apenas chamasse o espectador para prestar atenção em um ou outro elemento, apenas “dirigindo-o por esse caminho.(Se não viu o filme, pule para o outro parágrafo!!)Sutil, é como se parecesse fazer de tudo para não deixar nenhum personagem em panos quentes, é fácil, em certo momento você desconfiar da sanidade da mãe, ou acreditar que a polícia está fazendo de tudo o possível, ou que até o assassino condenado esteja falando a verdade, mas, com extrema classe, Eastwood vai aos poucos mostrando exatamente quem é quem nessa trama, quem merece e quem não merecer ser escutado, separando-os do jeito mais simples possível: entre os bons e os maus.

(errei, tem ainda mais um parágrafo de spoilers, desculpe!!) Se o reverendo faz dessa briga uma auto-promoção ou não, e o advogado faz do julgamento dos policiais algum tipo de trampolim para sua carreira, não importa, Eastwood resolve apenas contar aquilo que é suficiente par sua história. Como se, quem ganhasse o atestado de “bom moço” pudesse perambular pelo resto do filme sem problemas, como o policial que resolve o crime, pois quem ganha o status de “vilão”, de um jeito ou de outro, encontrará destino digno de sua vilania.

Se Eastwood faz isso por falta de profundidade dramática, nunca se saberá (a não ser que ele responda tal pergunta), eu prefiro pensar que ele o faz pensando em dar ao filme as conclusões que merece, sem ambiguidades e dúvidas, preto no branco, como o começo e o fim do filme nessas mesmas cores. Assim como todo resto, que parece pular de cabeça nessa época de ouro de Hollywood, não em um pastiche de noir, mas em um “noir” de verdade, descomplicado, com uma trama que caminha sozinha, sempre fortificada por conclusões marcantes e personagens sólidos, concretos, que parecem viver no nosso mundo, só que com muito mais classe.

Todo visual do filme, na verdade só funciona tão bem em razão dessa forma que o filme procura, graças não só ao diretor, mas ao ótimo roteiro de J. Michael Straczynski (que criou a série cult Babylon 5 e vem fazendo bonito como escritor de quadrinhos da Marvel), a esplendida fotografia de Tom Stern (que vem acompanhando o diretor em seus últimos filmes) e ao competentíssimo trabalho do Designer de Produção James J. Muramaki. O primeiro dos três, consegue fazer um roteiro que não perde tempo, e não se deixa parece supérfluo em nenhum momento, sempre com uma conclusão a tirar e uma reviravolta a ser alcançada. Com diálogos ótimos e que dão todo rumo para as ótimas atuações do elenco, já que é muito mais fácil fazer um personagem que tem o que dizer do que um que só diz besteira.

E são exatamente esses personagens que ganham total veracidade quando jogados dentro desse mundo que Stern e Muramaki criaram. Stern sim, já que toda fotografia parece andar em um uma sintonia perfeita com o visual criado por Muramaki. Cada ângulo de câmera parece tão bem composto diante do que quer mostrar, que fica difícil distinguir que luz faz parte do próprio cenário das que não fazem, o abajur no canto da sala da protagonista parece ter vida própria e só mostrar o que deve ser visto, deixando o resto a ser iluminado pela janela, em um conjunto que não ilumina a escuridão, mas simplesmente parece tentar sobreviver em seu meio. Não se engane pensando que o truque é usar o próprio sol, pois ele é instável e problemático para ser filmado (coisa de astro), o truque é fazer você acreditar que a luz é natural, e isso eles consegue.

E toda essa luz serve para iluminar não só os atores, mas o esplêndido trabalho artístico do filme, nada rebuscado, que parece não querer se sobressair mas simplesmente compor um mundo e seus personagens, coisa que fica mais claro ainda quando se percebe o quanto cada personagem é o verdadeiro retrato de suas roupas e cenários, extrapolando mais isso ainda quando um deles adentra o do outro, criando um contraste sem igual.

A Troca só tem um grande equívoco, um tema chatíssimo escrito pelo próprio Eastwood que impregna o ouvido do espectador, talvez para mostrar que o diretor é humano, e erra. Pouco, mais erra.


The Changeling (EUA, 2008) escrito por J. Michael Straczynski, dirigido por Clint Eastwood, com Angelina Jolie, John Malcovich e Jeffrey Donovan


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