A Fita Branca Filme

A Fita Branca | O ovo da serpente

Se logo de cara o narrador de A Fita Branca explica ao espectador que irá contar uma história, mas que ao seu fim muitas perguntas continuarão sem respostas, é nesse mesmo momento que você percebe o quanto o diretor alemão Michael Haneke está mais que a vontade com seu estilo de cinema. Ainda que seu novo filme seja, talvez, não o que menos deixa dúvida, mas sim aquele no qual ele parece mais se esforçar para compartilhar esse “mistério” todo com o espectador.

Nele, Haneke te leva para um pequeno vilarejo bucólico do começo do século na Alemanha, religiosa e quase que totalmente movimentada pelas lavouras do Barão local, até que alguns acidentes estranhos começam acontecer. E é aí que entra a genialidade do direotr ao apresentar um suspense e desenvolver um verdadeiro estudo sobre o ser humano e seu lado mais violento, assim como fez no excepcional Cachê.

Vendendo, logo de cara, uma sociedade quase asséptica e, sem cerimônia, tornando-a totalmente suja, deixando que toda aquela pureza se tranforme em um horror inôminável. Aquele mesmo sentimento que parece escondido em alguma canto da alma do ser humano e que Haneke adora escancarar em seus filmes, sempre tratando-o com uma certa naturalidade, mesmo diante dos assuntos mais embasbacantes. Que mostra o menino pedindo para ser desamarrado da cama sem nenhuma preparação para o espectador, atônito com o que vê, assim como uma acusação de incesto jogada no meio de uma frase meio sem importância. Não anticlimáticos, mas como se tentasse mostrar um retrato tão podre que até seus maiores pecados parecem se perder diante do coloquial.

Nesse mesmo meio, uma fita branca amarrada nos braços de uma casal de crianças por seus pais, afim de lembrá-los da pureza de suas almas, cria uma carga de irônia tão avassaladora que chega a incomodar, como se tal atitude service exclusivamente para ilustrar todo paradoxo sujo que habita aquela pequena vila.

Visto pelos olhos do professor da vila, toda história pode até rumar para um conclusão pouco sofisticada e esperada, já que Haneke, desde o começo, parece enxergar aquelas crianças “puras” com uma certa estranheza, castigadas por uma opressão sufocante, do mesmo jeito que, aos poucos, parece fechar mais e mais o foco sobre elas, como se desconfiasse de algo por trás daquela beleza juvenil. Uma opção que, se não responde as dúvidas com a mensagem junto do espancamento de uma das crianças, falando sobre os ¿pecados dos pais¿, ou com o menino procurando a morte sobre um ponte, já que só assim descobriria se estava sendo perdoado por Deus, pelo menos deixa bem claro que corrobora com o ponto de vista do narrador. Mesmo que o diretor ainda pareça preocupado em deixar espaço para quem discordar dele, compartilhando assim de seu filme com toda platéia do cinema.

É essa propriedade narrativa com que Haneke trata seus filmes que talvez crie tantos admiradores, já que o diretor parece dialogar com o cinema como se ele fosse uma máquina que produz reações e sentimentos no escuro daquela sala. Como se fizesse questão de deixar o espectador sozinho, em algum canto sombrio, enquanto observa seus personagens percorrerem os cômodos à sua volta a procura de seus destinos, que prefere mostrar a porta fechada abafando os açoites do castigo físico, com um chicote que uma das próprias crianças leva para dentro do lugar (e que Haneke faz questão de mostrar). Um cineastas que não parece precisar procurar por um rosto chorando para mostrar suas lágrimas, e que faz questão de compartilhar seus personagens com os espectador em uma espécie de estudo que quase nunca acaba bem.

A Fita Branca ainda conta um clima que parece te puxar por inteiro para dentro do filme, não só pela trama, mas, ainda mais, por uma fotografia em preto e branco sensacional, que conversa com as chamas das velas, ao mesmo tempo que extrapola um visual claro e sóbrio, brincando então com toda ironia da situação: limpo e belo, mesmo que repleto de uma sujeira que parece perdurar por você por um bom tempo após seu fim.

Perto do fim do filme, ao relatar o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando (estopim da Primeira Grande Guerra) talvez Haneke apenas queira posicionar melhor sua trama em uma data específica, ou (mais provavelmente) fazer seu espectador projetar aquelas juventude oprimida anos no futuro, ainda marcados pelos horrores enraizados em suas almas, que tiveram que conviver com aquilo já que, como um dos pais explica para o filho: “Um passarinho que está em cativeiro não merece a liberdade”, assim como todos naquela pequena vila (talvez um pouco além daquelas terras) não pareçam merecer uma segunda chance de compaixão quando somente o ódio parece mover suas ações. Não uma desculpa para atos futuros, mas talvez uma tentativa de entender de onde todo aquele odio poderia ter vindo.


Das Weisse Band : Eine Deutch Kindergeschichte” (Aus/Ale/Fra/Ita, 2009) escrito e dirigido por Michael Haneke, com Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi e Burghart Klaubner


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4 Comentários. Deixe novo

  • Assisti ontem. Um filme interessante, que por certas vezes nos dá a sensação de um algo a mais por acontecer; como se estivessemos vivenciando a cena.
    Um filme que prende a atenção do expectador do início ao fim. Uma história que te faz pensar e refletir. Gostei muito, e indico como uma boa pedida de filme.

    PS: Como você é meu crítico predileto, segundo alguns dos seus leitores, nem preciso dizer, mas enfatizarei; sua crítica relata totalmente as sensações do expectador sobre o filme.
    E quem ainda não teve a oportunidade, procure assistir. Além do prazer em ver algo bom, poderá ter base para expressar os seus entendimentos e opinião.

  • Maria Cristina Moyses
    28/01/2011 16:25

    Bem ele é um dos indicados para o Oscar de melhor filme estrangeiro, portanto nada mais se pode dizer , se é bom ou se é ruím , deixa de ter comotação , quando se faz magnifico . e foi isso que o cineastra Michel Haneke produziu . Alguns criticos são contras outros a favor de qualquer maneira , muito pouco do público não entendeu . E por princípio achamos que o público escolha; que nada – pois proporcionou vastíssima margem de interpretações , todas relevantes e atuais. O filme é prazeroso e ótimo por sua linguagem universal e contemporânea.

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