A Estrada Filme

A Estrada | Cinza e chato

Se quando os irmãos Coen ganharam o Oscar por seu Onde os Fracos não tem Vez, um dos nomes celebrados nesse momento era do autor do livro que deu origem ao filme, Cormac McCarthy, era questão de tempo até que suas outra obras ganhassem o mesmo destino em Hollywood, ainda mais seu ganhador do Pullitzer (famoso prêmio literário dos EUA) A Estrada. Infelizmente não pelas mãos dos irmãos Coen.

E se logo de cara o que pula aos olhos é a sintonia calibrada entre a direção de arte e fotografia, criando esse mundo cinza, sem vida, recoberto por uma camada onipresente de poeira, o que sobra para a direção do australiano, John Penhall, é uma tentativa frustrada de criar um paradoxo visual entre um mundo de flores coloridas, no passado, e esse, devastado por alguma hecatombe misteriosa. Um esforço muito pequeno, e até visualmente preguiçoso e desnecessário, já que a própria trama não demonstra pedir por isso, principalmente ao se distanciar de um “por que”, uma explicação, e ir na direção de “o que” fazer diante daquilo.

Uma preocupação até em não criar um inimigo por si só, mas uma situação, um rumo, um road movie sem esperanças, onde pai e filho só parecem preocupados com sua sobrevivência nessa estrada enquanto rumam para o sul (também sem aparente razão). Mesmo sem fazer um filme tecnicamente bonito, o diretor acerta em impor um ritmo quase melancólico nessa jornada, lento, que anda pelas paisagens áridas dos Estados Unidos carregados talvez por um fio ínfimo de esperança.

E ainda que acerte em criar um caminho angustiante fadado a não conseguir chegar a lugar nenhum, e que, a cada passo é como se não saísse dalí, sempre sem vida, cinza e triste, escorrega, e desperdiça, a participação mais que especial de Robert Duvall com um discurso xinfrim a respeito de Deus ter dado as costas para o mundo (uma explicação batida).

Mas talvez seja em razão de suas atuações que A Estrada mais valha à pena. Além dessa de Duvall, na verdade uma ponta, emocionante e verdadeiro e marcante (como sempre), a grande estrela do filme é, sem sombra de dúvidas, Viggo Mortensen, completamente sumido por trás do pai protetor, ainda que nem ele consiga enxergar um mundo que valesse a pena viver. Um cadavérico Mortensen que mais uma vez mostra porque é um dos atores mais celebrados de sua geração, que, como poucos, “fala” com os olhos e faz você acreditar naquela história. Que fará o cinema se emocionar enquanto desaba sobre as teclas de um piano ao mesmo tempo que tenta se recompor na presença do filho. Um personagem paradoxal que precisa se desprender do passado para encarar um presente que não merece ser vivido, onde até o canibalismo acaba aparecendo como um último recurso, já que nada mais parece existir para alimentar a humanidade. Não como um castigo, mas sim como um sintoma.

E é dessa “animalização” do ser humano que os dois precisam fugir, ainda que o filho durante todo tempo pergunte se “eles ainda são os caras bons”, mesmo que tal resposta se mostre quase impossível em um mundo em que nada mais é bom ou ruim. É ele mesmo que responde a essa pergunta ao contráriar a tudo a sua volta e decidir estar ali, mesmo vagando sem esperança, mas fazendo o bem para todos que encontrar, como se ele próprio fosse o fio de esperança que o pai tanto procura.

Infelizmente, uma música ruim demais estraga bastante o clima geral do filme, ao quase prever alguns momentos de tensão, ao mesmo tempo que talvez um apreço maior do diretor (que faz um trabalho muito mais inspirado em seu filme anterior A Proposta, mais rebuscado e interessante) fizesse com que A Estrada se tornasse uma experiência cinematográfica mais atrativa, em que sua ótima trama, desse modo, encontrasse o mesmo peso em sua imagens. Um desequilíbrio geral que pouco prejudica, mas não deixa o filme alçar o vôo que merecia.


The Road (EUA, 2008), escrito por John Penhall a partir do livro homônimo de Cormac McCarthy, dirigido por John Hillcoat, com Viggo Mortensen, Kodi Smit-MacPhee, Robert Duvall, Guy Pierce e Charlize Theron


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3 Comentários. Deixe novo

  • […] na sensível dinâmica entre o menino solitário de 12 anos (Kodi Smith-McPhee, o menino de “A Estrada” em mais uma atuação sensível), humilhado na escola e às portas da separação dos pais, que […]

  • Vinicius Carlos Vieira
    05/07/2010 21:34

    demorei para responder por que estou em fase de mudanças, estou agora no cinemaqui.com.br

    então, não li não, mas do jeito que todos falam tanto dele, ele furou a fila na minha lista

  • Dominique
    04/06/2010 2:46

    Ainda não assisti ao filme, simplesmente, não havia nenhum cinema do RJ apresentando-o, mas li o livro e digo: é excelente! Assim como no filme, o livro tem uma leitura arrastada, as vezes, repetitiva, mas que nos enche de incerteza e pesar mediante ao futuro incerto do pai e do filho. Um dos melhores livros que já li, é sem dúvida, o que mais mexeu comigo. Sou uma pessoa muito emotiva, mas com a leitura de A ESTRADA, eu me senti encurralada, oprimida, com um medo constante, sem falar nos sonhos que tive em determinado dia. É sério! Quando embarco numa leitura que me quebra por dentro, sonho com ela. Quando terminei de ler, eu chorei tanto, que dobrei-me de tanta dor que sentia. Ufa! Vc já leu o livro?

    Bjjs.

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