A Corte (que fez parte do Festival Varilux desse ano) conta a história justamente do que propõe: o dia-a-dia na vida de todos envolvidos no julgamento de um réu, quase sempre sob o ponto de vista do juiz. Que começa o filme gripado.
Alguns detalhes podem incomodar no filme, muitos por não parecer ter qualquer relação com o que finge ser o tema central de todo filme de julgamento (o julgamento em si). Porém, o objetivo é justamente nos tirar um pouco desse eixo central em que os personagens centrais são o réu e as testemunhas para que possamos observar os que ficam, como uma personagem profere, “no palco”.
Não é nenhum segredo que julgamentos parecem uma espécie de teatro, onde há juramentos e diálogos extremamente formais. A única diferença é que o destino de uma pessoa será decidido através desse teatro, e para a consciência de todos presentes, de uma forma justa.
E se não for de uma forma justa, pelo menos terá sido um belo espetáculo.
Dessa forma, o diretor e roteirista Christian Vincent aborda esse teatro de duas formas distintas e complementares. Se nos bastidores insiste em fazer closes intimistas, com aquelas pessoas sendo o mais importante a ser observado, quando estão todos no teatro, os enfoca de longe, ou por baixo, dando a sensação tanto de distância quanto de intimidação.
Além disso, há longas sequências sobre um assunto específico, quase sempre durante as sessões ou após estas. Elas se contrapõem com delicadeza ou intensidade em comparação com a correria entre os recessos ou as tensas refeições.
No entanto, mesmo ao estarmos presenciando o julgamento de assassinato de um bebê pelo pai, o que se mantém sempre em escrutínio total é o juiz, interpretado de maneira corretamente contida por Fabrice Luchini (As Mulheres do Sexto Andar). Como já citei, ele começa o filme seriamente gripado, e sai no meio da noite para buscar remédios. Na manhã seguinte ele já é alvo de fofocas por “ser visto” saindo de uma boate cambaleando. Há uma linha não muito tênue entre a verdade e a mentira, e estamos todos sujeitos à interpretações erradas.
E é por isso que a relação que mantém com uma das juradas se torna o tema central de tudo isso. Ilegal ou inconveniente? É inconveniente um dos jurados vir de coturno às sessões, visto que há acusações do réu ter chutado o bebê até a morte? É inconveniente para a defesa existir mais mulheres no “palco”? Quais os limites entre esse teatro de pessoas normais e a vida real?
É isso que A Corte pretende discutir, e o faz de uma maneira extremamente leve e inocente, o que chega a ser irônico. Não há bandidos e mocinhos neste filme, o que ajuda a torná-lo ainda mais leve, se tornando encantador em sua reflexão final. É um escrutínio da própria vida, das pessoas e seus papéis. Um filme para ser mais degustado do que assistido. Esqueça o julgamento e observe este grande palco que é montado para atores tão acostumados a improviso.
“L’hermine” (Fra, 2015), escrito e dirigido por Christian Vincent, com Fabrice Luchini, Sidse Babett Knudsen, Eva Lallier, Corinne Masiero, Sophie-Marie Larrouy