A Comunidade Filme

A Comunidade | Diretor de A Caça passa os anos 70 a limpo

A Comunidade é um filme que consegue ser doce em sua abordagem de paz e amor, mas ao mesmo tempo consegue desenvolver um assunto mais maduro. É fascinante acompanhar a vida daquelas pessoas formando um mosaico de personalidades que cooperam entre si para o bem comum. Mais fascinante ainda é perceber como o filme avança seu tema sem ter medo de arriscar tudo que havia conquistado uma hora atrás.

A história começa quando Erik (Ulrich Thomsen), um professor de arquitetura, vai receber como herança a casa que havia habitado na infância em sua terra natal. Grande para ele, a esposa Anna (Trine Dyrholm) e a filha adolescente Freja (Martha Sofie Hansen), o custo proibitivo de mantê-la torna a ideia de sua venda, algo automático, exceto pelo desejo de mudança de ares da mulher, que convence o marido a convidar amigos e conhecidos para morarem juntos e assim dividir os custos, além de lhes fazer companhia.

No início o filme torna bem óbvio a disparidade de ideias que está por vir, e de certa forma até a influência que morar em uma casa coletiva exerce. Enquanto um realiza o desejo de ter um velho “amigo” (o ótimo Lars Ranthe) morando junto, outro desponta uma paixão baseada em admiração. Há um choque de gerações. Um duplo choque. Tudo isso não faz parte da primeira metade do filme. Nela apenas se monta a base para o que está por vir.

Mas não é só do óbvio que se constrói a trama. Âncora de um telejornal conservador, Anna anuncia uma nova onda da esquerda política. Do reflexo da televisão desligada, sua observadora filha enxerga o conflito de ideias entre seus pais. Da doença de um garoto que poderá gerar sua morte precoce (o perfeito, ainda que novo, Sebastian Milbrat), percebemos na inocência a efemeridade da vida. Tudo colabora para que através da comunidade se perpetue a mensagem de carinho, amizade e solidariedade.

Porém, o filme não é assim tão ingênuo. Apresentando em seu segundo e terceiro atos uma trama quase deixada de lado pela leveza da história, a direção precisa quadro a quadro de Thomas Vinterberg (A Caça, Submarino) aos poucos admite que há algo de errado com aquele ideal do amor livre dos anos setenta. Ele não esfrega isso na nossa cara, mas nos tortura jogando a realidade na tela: não temos ainda esse nível de maturidade, ou o perdemos ao tentar algo diferente.

O que se torna mais doloroso ao constatar que “o sonho acabou” é que o design de produção também se entrega por completo à época, recriando um mundo onírico saudosista. A fotografia de Jesper Tøffner com cores pálidas é lindo e triste ao mesmo tempo, e aliada à direção de arte exata ainda que minimalista nos joga em um mundo que não queremos sair graças às pessoas que nele habitam. Esse mundo de compreensão e colaboração é onde queremos viver. É como se os 70 fossem reciclados em uma versão melhorada, embora misturada com uma nostalgia melancólica.

A Comunidade Crítica

Melhor que isso, apenas a escolha certeira de músicas, que são famosas e soariam gratuitas não fosse o universo especial que elas enchem de cor. A trilha sonora de Fons Merkies acrescenta ainda um tom particularmente contemplativo e misterioso – no sentido de deslumbramento – àquele mundo.

Começando de maneira simplória e terminando um arco que foi se anunciando aos poucos, A Comunidade acaba sendo não um estudo de personagem, embora possa ser confundido como tal, mas como um estudo de toda uma geração. E não as dos anos 70, mas sim a nossa. Porque por mais compreensivos e desimpedidos de preconceitos/estereótipos que possamos nos auto-declarar, alguma coisa sempre parece estar no caminho. Se isso atrapalha experiências humanas melhores, ou é algum instinto de auto-preservação, ou até outra coisa, é um mistério. Mas apenas por tentar descobrir, o filme merece todo meu respeito.


“Kollektivet” (Den/Sue/Hol, 2016), escrito por Tobias Lindholm, Thomas Vinterberg, dirigido por Thomas Vinterberg, com Ulrich Thomsen, Fares Fares, Trine Dyrholm, Julie Agnete Vang, Helene Reingaard Neumann


Trailer – A Comunidade

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